13/06/2009

Neurologia

A língua que você fala afeta o modo como você vê o mundo?


Alison Motluk
New Scientist

A língua que você fala influência a forma como você pensa?
Ela ajuda você a definir sua visão de mundo? Qualquer um que
já tentou dominar uma língua estrangeira pelo menos já
considerou a possibilidade. E aquelas pessoas que já tiveram
motivos para protestar junto a um amor estrangeiro podem até
estar convencidas.

À primeira vista, a idéia parece perfeitamente plausível. A
comunicação até mesmo de mensagens simples exige que você
faça observações completamente diferentes dependendo de sua
língua. Imagine lhe pedirem para contar algumas canetas em
uma mesa. Se você é uma pessoa que fala português, você só
teria que contá-las e dizer o número -digamos que sejam 11.
Mas um russo também teria que considerar qual o gênero das
canetas (neutro), e então usar a forma neutra da palavra para
11. E uma pessoa que fala japonês também teria que levar em
consideração sua forma (longa e cilíndrica) e usar a palavra
para 11 designada para itens desta forma.

Por outro lado, certamente canetas são apenas canetas,
independente da forma como a língua leva você a especificar
sobre elas. Pequenas peculiaridades lingüísticas, apesar de
curiosas, não mudam o mundo objetivo que estamos descrevendo.
Assim como podem alterar a forma como pensamos?

Cientistas e filósofos lidam com esta questão difícil há
séculos. Sempre houve aqueles que argumentavam que nosso
imagem do Universo dependia de nossa língua natal. Mas desde
os anos 60, com a ascensão de pensadores como Noam Chomsky e
uma série de cientistas cognitivos, o consenso tem sido de
que as diferenças lingüísticas não importam, que a linguagem
é uma característica humana universal, e que nossa habilidade
de falar uns com os outros se deve mais à nossa genética
compartilhada do que às nossas culturas diferentes. Mas agora
o pêndulo está começando a pender para o outro lado, à medida
que os psicólogos reexaminam a questão.

Esta nova geração de cientistas não está convencida de que a
linguagem é inata e configurada em nosso cérebro. "Linguagem
não é apenas notação", diz Dan Slobin, da Universidade da
Califórnia, em Berkeley. "O cérebro é moldado pela
experiência". Slobin e outros dizem que diferenças pequenas,
aparentemente insignificantes, entre as línguas afetam a
forma como as pessoas percebem o mundo. "Algumas pessoas
argumentam que a língua muda o foco da sua atenção", diz Lera
Boroditsky, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. "Mas
aquilo em que você presta atenção muda o que você codifica e
lembra". Resumindo, ela muda a forma como você pensa.

Divulgação

Bananas e caneta: descrição do objeto depende da líguna
falada
Para começar com o exemplo mais simples e talvez mais sutil,
preparar para dizer algo em uma linguagem em particular exige
que você preste atenção a certas coisas e ignore outras. Em
coreano, por exemplo, para dizer apenas "oi" você precisa
saber se é mais velho ou mais jovem do que a pessoa à qual
está se dirigindo. Mesmo a diferença do dia pode importar. As
pessoas que falam espanhol têm que decidir se um
relacionamento é íntimo o bastante para empregar "tu" ou
formal o bastante para exigir "usted". Em japonês, a simples
decisão de que forma usar da palavra "eu" exige cálculos
complexos envolvendo sua idade, a idade da pessoa com quem
você está falando, seu gênero, o gênero dela e seu status
pertinente.

Este processo é o que Slobin chama de "pensar para falar" e
argumenta que ele pode ter um enorme impacto sobre o que nós
consideramos importante e, no final, como pensamos sobre o
mundo. Para dar outro exemplo, cerca de um terço das línguas
do mundo descrevem a localização em termos "absolutos":
pessoas que falam as línguas de muitas ilhas do Pacífico, por
exemplo, diriam "norte da árvore" ou "direção do mar em
relação à árvore" ao invés de "ao lado da árvore", como
faríamos em português. Nestas línguas, você sempre precisa
saber onde você está em relação à pontos de referência
externos fixos, diz Slobin. "Mesmo quando você está em uma
sala sem janelas, ou viajando em um ônibus no escuro", diz
ele, "você precisa saber a localização relativa em relação
aos pontos fixos para falar sobre eventos e locais". Assim,
mesmo se não usar a palavra "norte" na conversa, você sempre
saberá onde ocorreu.

Se sua língua dá ênfase à forma, substância ou função de um
objeto, isto também parece afetar seu relacionamento com o
mundo, segundo John Lucy, um pesquisador do Instituto Max
Planck de Psicolingüística em Nijmegen, Holanda. Ele tem
comparado o inglês americano com o maia yucateca, falado na
Península de Yucatán, no México. Entre as muitas diferenças
entre as duas línguas está a forma como os objetos são
classificados. Em inglês, a forma está implícita em muitos
substantivos. Nós pensamos em termos de objetos distintos, e
apenas quando queremos quantificar coisas amorfas como açúcar
nós empregamos unidades como "cubo" ou "xícara". Mas no
yucateca, os objetos tendem a ser definidos por palavras
separadas que descrevem a forma. Assim, por exemplo,
uma "cera longa e fina" é uma vela. Igualmente, "banana
longa" descreve a fruta, enquanto "banana chata" descreve a
folha da bananeira e uma "banana assentada" é uma bananeira.

Para descobrir se este sistema de classificação tem algum
efeito mais amplo sobre a forma de pensar das pessoas, Lucy
pediu a voluntários que falavam inglês e yucateca que
realizassem uma tarefa. Em uma experiência, ela deu a eles
três pentes e pediu que apontassem os dois que eram mais
parecidos. Um era de plástico com cabo, o outro de madeira
com cabo, o terceiro de plástico sem cabo. As pessoas que
falavam inglês consideraram os pentes com cabos mais
parecidos, mas os que falavam yucatecas acharam que eram os
dois de plástico. Em outro teste, Lucy usou uma caixa
plástica, uma caixa de papelão e um pedaço de papelão. Os
americanos acharam que duas caixas combinavam, enquanto o
maias ligaram os dois itens de papelão. Em outras palavras,
os americanos se concentraram na forma, enquanto os maias se
concentraram na substância.

Mas o quão significantes são estes resultados? "O povo
yucateca não vive em um mundo de artefatos", diz Paul Bloom,
da Universidade de Yale. "Se você pudesse obter estes
resultados em japonês, eu ficaria convencido". Mas estudos
semelhantes com pessoas que falam japonês provaram ser
inconclusivos.

Sem se deixar desencorajar, Lucy apontou seus próprios
estudos indicando que todas as crianças pequenas tendem a se
concentrar nas mesmas qualidades -forma no caso dos objetos
como pentes e caixas, e material quando algo é amorfo como o
açúcar. Então, por volta da idade de 8 anos, começam a
despontar diferenças que refletem a língua. "Todos exibem as
mesmas possibilidades", diz ele, "mas há uma tendência que
faz o mundo se enquadrar em nossas categorias [lingüísticas].

Boroditsky argumenta que até mesmo sistemas de classificação
artificiais, como gênero, podem ser importantes. Para uma
pessoa que fala inglês, a idéia de que palavras podem ser
arbitrariamente consideradas masculinas, femininas ou neutras
é algo peculiar. Não faz sentido que palavras como "sutiã"
e "útero" sejam masculinas, enquanto em algumas
línguas "pênis" pode ser feminino. Além disso, não há acordo
entre línguas. A palavra "sol" é neutra em russo, feminina em
alemão, e masculina em espanhol. Alguns psicólogos argumentam
que estas inconsistências sugerem que gênero é apenas um
rótulo sem sentido. Boroditsky discorda. Para construir
sentenças nestas línguas, ela diz, você acaba pensando em
gênero milhares de vezes ao dia -mesmo que seja algo
arbitrário.

Para testar como isto afeta a forma como as pessoas pensam,
ela apresentou a voluntários que falavam espanhol e alemão
substantivos que correspondiam a gêneros opostos em suas
línguas natais. "Chave" por exemplo, é uma palavra feminina
em espanhol e masculina em alemão, e "ponte" é masculina em
espanhol e feminina em alemão. Boroditsky pediu aos
voluntários que apresentassem adjetivos -em inglês- para
descrever estes itens. As pessoas que falavam alemão
descreveram as chaves
como "desajeitadas", "gastas", "pontudas" e "serradas",
enquanto os que falavam espanhol as viam
como "pequenas", "adoráveis", "mágicas" e "intricadas". Para
os alemães, pontes eram "impressionantes", "belas", "frágeis"
e "elegantes", enquanto os que falavam espanhol as
consideraram "grandes", "perigosas", "sólidas", "fortes"
e "firmes".

"São termos realmente com uma carga de gênero", diz
Boroditsky. Ela confirmou isto pedindo a uma equipe de
pessoas que falavam inglês, "cegas para gênero", que
classificassem os adjetivos usados nestas respostas como
masculinos, femininos ou neutros.

Oosativos ou sopativos?

Os críticos argumentam que talvez a classificação dos objetos
segundo gênero tem mais a ver com a cultura das pessoas do
que com as línguas que falam. Assim Boroditsky pegou pessoas
que falavam inglês e as ensinou uma língua inventada,
chamada "gumbuzi". No gumbuzi, as palavras foram divididas
segundo rótulos de gênero neutro "oosativos" ou "sopativos".
Entre os oosativos estavam garfo, maçã e violão. Os sopativos
incluíam colher, pêra e violino. Além de lembrarem a palavra
gumbuzi para cada objeto, os voluntários tinham que lembrar a
qual categoria elas pertenciam. Ela então designou fotos de
bailarinas e pontes, ou meninos e reis, arbitrariamente a
cada grupo.

Apesar dos voluntários de língua inglesa não terem
experiência de atribuição de gênero em sua língua natal,
quando a foto do violino foi associada com as imagens
femininas, eles o descreveram como "artístico", "curvilíneo"
e "delicado", enquanto quando estava associado a imagens
masculinas, as pessoas o descreveram
como "impressionante", "reluzente" e "barulhento".

As pessoas de língua gumbuzi exibiram os mesmo efeitos que as
pessoas de língua alemã ou espanhola, diz Boroditsky. E ela
tem uma idéia do motivo. Posteriormente, quando perguntados
sobre como se lembravam de cada item pertencente a cada
categoria, os voluntários admitiram que se concentraram nos
atributos masculinos ou femininos. "Se você pode tornar algo
significativo, você se lembra melhor", diz Boroditsky.

Ela suspeita que o mesmo processo possa estar acontecendo,
apesar de menos intencionalmente, quando aprendemos as
línguas reais. "As vidas mentais privadas das pessoas que
falam línguas diferentes podem ser muito diferentes", ela
argumenta. "Isto é incrivelmente importante se você está
interessado na forma como as pessoas pensam".

Mas os críticos, incluindo Lila Gleitman da Universidade da
Pensilvânia, não estão convencidos. Ela diz que as perguntas
feitas por Boroditsky para seus voluntários não fazem
sentido, de forma que as pessoas apenas imaginam uma
resposta. "Se parece um pouco com estudos nos quais é
perguntado às pessoas, 'Qual é o melhor exemplo de um número
ímpar, 7 ou 15?' e a maioria das pessoas responde '7'. Se a
pergunta não tem pé nem cabeça, você faz o melhor que pode",
diz Gleitman. Bloom também tem reservas. Ele acredita que
para as influências de gênero serem significativas na
alteração de nossa visão de mundo elas precisam se espalhar
para outros domínios. Para testar se isto acontece,
Boroditsky atualmente está analisando o desenho de pontes em
países que falam espanhol e alemão.

O consenso geral é de que apesar das experiências feitas por
Lucy, Boroditsky e outros serem intrigantes, elas não são
convincentes o suficiente para mudar a visão ortodoxa de que
a língua não tem uma influência muito grande sobre nosso
pensamento e percepção. O exemplo clássico usado pelos
chomskianos para apoiar isto é a cor. Ao longo dos anos,
muitos pesquisadores tentaram descrever se as diferenças
lingüísticas na categorização das cores levava a diferenças
na percepção delas. Afinal, as cores se enquadram em um
espectro contínuo, de forma que não seria surpresa se
o "vermelho" de uma pessoa caísse no "laranja" de outra
pessoa. Mas a maioria dos estudos sugere que as pessoas
concordam na posição das fronteiras, independente dos termos
usados para as cores em suas próprias línguas.

Mas não é tão simples assim. Alguns estudos -incluindo um com
caçadores-coletores de Nova Guiné chamados berinmo- sugere
que a língua afeta nossa interpretação das cores. Outros
resultados são abertos a debate. Além disso, Boroditsky e
outros argumentam que a cor não é o melhor exemplo para
testar sua idéia, porque ela pode ser observada diretamente.
Eles acreditam que a língua possa exercer sua maior
influência nos domínios abstratos, como conceitos de tempo,
amor, números e idéias políticas, onde informações sensoriais
não podem ajudar.

Considere o tempo. Muitas línguas usam termos espaciais para
descrevê-lo. Em inglês, muitos dizem coisas como "o melhor
está por vir", ou "estamos atrasados" ou "vamos adiar a
reunião para mais tarde". Para as pessoas de língua inglesa,
em outras palavras, o tempo é horizontal e o futuro está à
frente. Mas em mandarim o tempo é vertical, jorrando do solo
como petróleo de um poço, e isto se reflete nas frases que as
pessoas de língua mandarim usam para expressá-lo. Apontar
para o futuro indica que ele está correndo, não à nossa
frente. Esta pequena distinção importa?

Janelas para outros mundos
Na rural Guatemala, B'alam Mateo e Ajb'ee Jiménez foram
criados falando as línguas maias nativas. Em casa, Mateo fala
q'anjob'al enquanto Jiménez fala mam, mas na escola eles
aprendem apenas espanhol.

Anos depois, enquanto trabalhavam para uma organização não-
governamental para promover o bilinguismo, eles conheceram a
lingüista Nora England. Jiménez lamentava o fato de que não
havia nenhuma pessoa nativa que falava mam estudando a
língua, e que toda a literatura a respeito era em inglês -uma
língua que ele não sabia ler. "Havia uma necessidade real de
mais pessoas, mais pessoas locais, treinadas para trabalhar o
assunto", ele recordou.

Pouco depois, England foi recrutada para liderar um projeto
inovador na Universidade do Texas, em Austin. A idéia era, ao
invés de enviar lingüistas americanos e europeus para aldeias
distantes para estudar léxicos e gramáticas, eles treinariam
nativos em lingüística, os munindo com as ferramentas
necessárias para estudar e preservar sua própria herança
lingüística. Jiménez e Mateo agora são os primeiros
estudantes do programa inovador de England.

Com a probabilidade de desaparecimento de metade das línguas
do mundo em um século, a abordagem de England parece lançar
um cabo salva-vidas para algumas delas. Apesar dos lingüistas
de hoje estarem ativamente tentando revitalizar as línguas
que estudam, os acadêmicos raramente são pessoas que falam
estas línguas de nascença, e a defesa excessiva por parte
deles cheira a proteção neocolonialista. Para salvar as
línguas que estão morrendo, as pessoas que as falam devem
querer preservá-las, de forma que a abordagem lógica é deixar
isto a cargo delas. Mas muitos dos países onde existem
línguas ameaçadas são pobres. Há pouquíssimas oportunidades
de ensino superior, muito menos um treinamento especializado
em lingüística.

É aí que entre o programa de língua da Universidade do
Texas. "Os alunos podem usar o que aprendem da forma que
quiserem", diz England. Mas ela e seus colegas esperam que
optem por estabelecer programas de línguas em casa e concebam
novas formas para fortalecer suas próprias línguas. É o que
Jiménez e Mateo planejam fazer assim que se formarem. Se as
línguas que falamos realmente influenciam a forma como
pensamos, seus esforços e o de outros que esperam injetar
nova vida em línguas que estão morrendo são mais importantes
do que nunca. Em jogo não está apenas uma janela para
culturas diferentes, mas a própria diversidade do pensamento
humano.





Para descobrir, Boroditsky pegou voluntários chineses
bilíngües, que falam mandarim e inglês, e então os fez
assistirem peixes nadando em uma tela de computador -em
alguns casos verticalmente e em outros horizontalmente. Em
inglês, ela fez perguntas como, 'Março vem antes ou depois de
abril?" Ela raciocinou que se os voluntários estivessem
pensando sobre o tempo verticalmente, então os peixes nadando
horizontalmente na tela acelerariam tais pensamentos, e o
oposto valeria para os outros voluntários que só falavam
inglês. Foi exatamente isto que ela encontrou. Boroditsky
considera isto evidência de que as pessoas pensam no tempo em
formas fundamentalmente diferentes dependendo de suas línguas
natais. Mas Gleitman rebate rapidamente que podemos ser
ensinados facilmente a pensar em tempo de formas diferentes -
e que os próprios estudos posteriores de Boroditsky confirmam
isto.

Talvez mais provável seja a idéia de que a língua que você
fala influencie sistematicamente sua interpretação de eventos
que você não testemunhou pessoalmente, mas dos quais apenas
ouviu falar, "Quase tudo o que sabemos sobre o mundo ocorre
por meio da linguagem", aponta Slobin. A fala nos permite
experimentar o mundo indiretamente de uma forma que nenhum
outro animal é capaz. Nós tendemos a presumir que uma
descrição comunica a mesma mensagem independente da língua.
Mas se Slobin estiver correto, a língua que usamos pode
alterar nossa compreensão de tudo, de questões atuais e
história, até política e fofoca envolvendo celebridades.

Ele queria saber se a forma como a língua comunica a ação
poderia ter um peso em como visualizamos os eventos e o que
sentimos em relação a eles. Nós todos vivemos no mesmo mundo
objetivo, mas línguas diferentes se concentram em aspectos
diferentes dele. Em línguas como inglês, holandês, russo,
finlandês e mandarim, por exemplo, os verbos são muito
expressivos na descrição da forma como a ação transcorre. Em
outras línguas, como espanhol, francês, italiano, hebraico e
turco, há a tendência de usar palavras de ação mais simples,
e então acrescentar algumas palavras para indicar a forma
como o sujeito se moveu. O primeiro grupo fornece a forma
como isto acontece "livremente", enquanto o segundo grupo
precisa adicionar algo -e freqüentemente nem mesmo se dá ao
trabalho de fazê-lo.

Pessoas bilíngües dizem que as notícias parecem muito mais
dinâmicas, cheias de energia e violentas quando escritas em
uma língua como o inglês. Os exemplos nos jornais parecem
apoiar tal visão. Na descrição de um confronto entre o
Greenpeace e as autoridades, um jornal britânico, The
Guardian, descreveu como as tropas francesas "invadiram" o
barco, e como o Greenpeace "violou" a zona de exclusão. O Le
Figaro, um jornal francês, escreveu que as
autoridades "assumiram controle" da embarcação e os
ativistas "cruzaram os limites" das águas territoriais
francesas.

Isto levou Slobin a se perguntar se as pessoas de línguas com
verbos prosaicos compensavam isto de alguma forma, talvez
ornamentando mentalmente palavras mais simples com ação
extra. Para testar esta idéia, ele deu a pessoas que falavam
apenas inglês ou espanhol trechos de romances em espanhol
para leitura. As pessoas de língua inglesa leram traduções
diretas, não literais. Assim, por exemplo, uma passagem do
romance "A Casa dos Espíritos" de Isabel Allende foi lida em
inglês desta forma:

"Ele pegou suas malas e começou a caminhar em meio à lama e
pedras do caminho que levava à cidade. Ele caminhou por mais
de dez minutos, agradecido por não estar chovendo, porque foi
apenas com dificuldade que ele conseguiu avançar pelo caminho
com suas malas pesadas, e ele percebeu que a chuva o teria
convertido em poucos minutos em um lamaçal intransponível".

Em seguida, Slobin pediu aos voluntários que descrevessem a
forma como o protagonista se moveu -e descobriu o oposto do
que previa. As pessoas que falavam inglês exibiram ricas
imagens mentais para a forma como o personagem "caminhou
penosamente" e "tropeçou" até a cidade. Poucos das pessoas
que falavam espanhol, do México, Chile e Espanha, o fizeram.
A maioria delas não diz nada sobre a forma como o
protagonista se locomoveu, e disseram ter visto
apenas "imagens estáticas".

Além disso, pessoas bilíngües que falam inglês e espanhol
exibiram a mesma dicotomia. Após lerem a versão em espanhol,
elas relataram imagens claras do ambiente físico ao redor do
homem, mas disseram coisas como, "eu não vejo qualquer tipo
de ação detalhada". Mas a resposta típica das mesmas pessoas,
respondendo à mesma pergunta sobre a mesma passagem escrita
em inglês, foi: "Eu posso ver um caminhar mais concreto e
posso determinar um passo... A sensação da história é
diferente". Assim, longe de ornamentação, as pessoas que usam
línguas como espanhol que carecem de verbos coloridos
aparentemente não prestam muita atenção ao movimento. "Eu
considero os resultados de Allende muito desorientadores",
admite Slobin.

Por ora, Slobin e outros estão coçando suas cabeças tentando
entender algumas de suas descobertas mas, se ficar provado
que a língua que falamos influencia a forma como pensamos, as
implicações serão enormes. Nós já sabemos que cada língua é
única e fornece seu próprio entendimento da história e
cultura humanas, mas se também fornecerem formas diferentes
de ver o mundo, então serão ainda mais valiosas do que
presumíamos. "Nós precisamos de todos estes tipos de dados
para compreender a natureza humana", diz Slobin.

Com a probabilidade de pelo menos metade das 6 mil línguas do
mundo desaparecerem ao longo do próximo século, os cientistas
estão correndo para aprender o que puderem sobre elas
(veja "Janelas para outros mundos"). Quando as línguas se
tornarem extintas, alerta Slobin, o mesmo ocorrerá com seus
entendimentos particulares. Boroditsky concorda. "Algumas
línguas podem ter inventado certas formas de pensar que podem
ser úteis para nós", diz ela. "Nós nem mesmo sabemos que
tesouros existem".

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