11/01/2009

Gaúchos

O Rio Grande do Sul é como aquele filho que sai muito diferente do resto
da família. A gente gosta, mas estranha. O Rio Grande do Sul entrou
tarde no mapa do Brasil . Até o começo do século XIX, espanhóis e
portugueses ainda se esfolavam para saber quem era o dono da terra
gaúcha. Talvez por ter chegado depois, o Estado ficou com um jeito
diferente de ser. Começa que diverge no clima: um Brasil onde faz frio
e venta, com pinheiros em vez de coqueiros, é tão fora do padrão quanto
um Canadá que fosse à praia.

Depois, tem a mania de tocar sanfona, que lá no RS chamam de gaita, e
de tomar mate (também chamado de chimarrão) em vez de café. Mas o mais
original de tudo é a personalidade forte do gaúcho. A gente rigorosa do
sul não sabe nada do riso fácil e da fala mansa dos brasileiros do
litoral, como cariocas e baianos. Em lugar do calorzinho da praia, o
gaúcho tem o vazio e o silêncio do pampa, que precisou ser conquistado
à unha dos espanhóis. Há quem interprete que foi o desamparo diante
desses abismos horizontais de espaço que gerou, como reação, o famoso
temperamento belicoso dos sulinos. É uma teoria - mas conta com o
precioso aval de um certo Analista de Bagé, personagem de Luis Fernando
Veríssimo que recebia seus pacientes de bombacha e esporas, berrando:
"Mas que frescura é essa de neurose, tchê?"

Todo gaúcho ama sua terra acima de tudo e está sempre a postos para
defendê- la. Mesmo que tenha de pagar o preço em sangue e luta. Gaúcho
que se preze já nasce montado no bagual (cavalo bravo). E, antes de
trocar os dentes de leite, já é especialista em dar tiros de laço. Ou
seja, saber laçar novilhos à moda gaúcha, que é diferente da jeito
americano, porque laço é de couro trançado em vez de corda, e o tamanho
da laçada, ou armada, é bem maior, com oito metros de diâmetro, em vez
de dois ou três. Mas por baixo do poncho bate um coração capaz de se
emocionar até as lágrimas em uma reunião de um Centro de Tradições
Gaúchas, o CTG, criados para preservar os usos e costumes locais.

Neles, os durões se derretem: cantam, dançam e até declamam versinhos em honra
da garrucha, da erva-mate e outros gauchismos. Um dos poemas prediletos
é "Chimarrão", do tradicionalista Glauco Saraiva, que tem estrofes
como: "E a cuia, seio moreno/que passa de mão em mão/traduz no meu
chimarrão/a velha hospitalidade da gente do meu rincão." (bem, tirando o machismo
do seio moreno, passando de mão em mão, até que é bonito).

Esse regionalismo exacerbado costuma criar problemas de imagem para os
gaúchos, sempre acusados de se sentir superiores ao resto do País. Não
é verdade - mas poderia ser, a julgar por alguns dados e estatísticas. O
Rio Grande do Sul é possuidor do melhor índice de desenvolvimento
humano do Brasil, de acordo com a ONU, do menor índice de analfabetismo do
País, segundo o IBGE e o da população mais longeva da América Latina,
(tendo Veranópolis a terceira cidade do mundo em longevidade), segundo
a Organização Mundial da Saúde. E ainda tem as mulheres mais bonitas do
País, segundo a Agência Ford Models. (eu já sabia!!!) Além do gaúcho,
chamado de machista", qual outro povo que valoriza a mulher a ponto de
chamá-la de prenda (que quer dizer algo de muito valor)? Macanudo,
tchê. Ou, como se diz em outra praças: "legal às pampas", uma expressão que,
por sinal, veio de lá. Aos meus amigos gaúchos, um forte abraço!

Arnaldo Jabor

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